quarta-feira, 14 de maio de 2008

Boemia: Bar Naval - Histórias de Porto Alegre...

Seu João Fernandes da Costa se casou no dia do seu aniversário. Um ano depois, no mesmo 15 de junho, batizou a primeira filha. É um apaixonado pelo trabalho, influenciado pela mãe, que nasceu num 1° de maio.

Hoje, o português, que relaciona datas com velocidade, terá mais uma coincidência a lembrar: enquanto Frei Galvão foi canonizado por Bento XVI, em São Paulo, o seu Bar Naval comemorou o centenário.

O Naval é parte da história de Porto Alegre. Instalado nas lojas 91 e 93 do Mercado Público, sobreviveu à enchente de 1941, não se deixou amedrontar por conflitos na ditadura militar, assistiu à decadência do Centro.

Muito de política e jornalismo saiu das mesas do Naval. Muito romance também. Seu João acompanhou parte dessa história. Proprietário desde 1961, lembra a trajetória de um casal de clientes, que se conheceu no bar, namorou, casou e teve filhos. Hoje, divorciados, continuam assíduos freqüentadores. Aparecem separados, embora já tenham se encontrado uma ou outra vez.

- Ele está arrependidíssimo - confidencia Seu João.

Tão anônimo quanto o homem aflito era Lupicínio Rodrigues naquela época. Chegava cedo e se abancava numa mesa perto da saída para a Avenida Borges de Medeiros. O pedido era repetido, invariável:

- Me dá uma cachacinha, camaradinha.

Mas atender o compositor ainda sem fama exigia mais: incontáveis folhas de papel e tocos de lápis, suportes para músicas escritas alheias ao vaivém de boêmios. Clientes que buscavam, além do chope, os tradicionais pratos da casa - a Terrível Feijoada, o Violento Mocotó e os bolinhos de carne e bacalhau.

- Se era cardíaco, não podia comer o mocotó - diz Antonio Sequeira Lopes Branco, filho do penúltimo dono do estabelecimento.

Se o Naval se confunde com a história da cidade, a vida de Paulo Naval está nas entranhas do bar. Garçom desde 1957, chegou ao Mercado Público como Darcy Souza de Oliveira. De tão identificado com o trabalho, tomou o nome do botequim como sobrenome - e trocou Darcy por Paulo (designação santa que havia sido escolhida no seu batismo).

Hoje Paulo administra o estabelecimento, mas não deixa de servir o chope. Enquanto trabalha, declara poemas escritos por ele em homenagem ao Naval, à boemia, à vida. Alguns estão no livro O Garçom e o Cliente - No Balcão do Naval, editado em 1999 com o jornalista Paulo Ricardo de Moraes. Embora se divirta no trote por entre as mesas, mantém em mente a hierarquia do negócio:

- Aqui o cliente manda na casa.


Matéria originalmente publicada no Jornal Zero Hora, 10 de maio de 2007.

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